Portadores de VIH/Sida em Angola ameaçam sair à rua para “protestar contra a falta de antirretrovirais” no país, sobretudo para o tratamento de segunda linha, anunciou a organização não-governamental angolana, Anaso.
A pretensão da manifestação pública de portadores do VIH/Sida em Angola foi apresentada pelo presidente da Rede Angolana das Organizações de Serviços de Sida e Grandes Endemias (Anaso), António Coelho, que diz estar “preocupado com a situação”.
Segundo o líder da ONG, neste momento um grande número de pessoas vivendo com o VIH/Sida está preocupado com a ausência dos antirretrovirais e tenciona avançar para uma manifestação “no sentido de levar a sua preocupação ao domínio público”.
Porque, adiantou, “entendem que em tempo de Covid-19 e havendo dinheiro para lutar contra a Covid-19 também deve haver dinheiro para lutar contra a Sida, contra a malária e contra a tuberculose”.
“E não entendem, por que razão é que de forma regular e sistemática em Angola esta situação da quebra do ‘stock’ de antirretrovirais vai acontecendo, acham que é altura de se tomar uma medida drástica e se responsabilizar as pessoas por esse tipo de situação”, afirmou.
A questão da rotura de ‘stock’ de antirretrovirais, sobretudo de segunda linha, em Angola foi apresentada na quinta-feira passada pela Anaso, numa carta aberta em que a ONG alertava que a situação “poderá se alargar” para os fármacos de primeira linha.
“O país vive neste momento uma situação de rotura de ‘stocks’ dos medicamentos de segunda linha, o que pode obrigar os pacientes a evoluírem para uma situação de terceira linha, de que o país infelizmente não dispõe, porque as drogas são muito caras e ultrapassam a disponibilidade financeira do Governo”, lia-se no documento.
Em resposta, o Governo referiu que a rotura de ‘stock’ de antirretrovirais no país “decorre da conjuntura internacional, devido à Covid-19”, garantindo que “tudo está a ser feito para que esses medicamentos não faltem aos doentes”.
“Quanto aos antirretrovirais, dizemos que é um desafio por esta altura, não só em Angola, mas é um desafio mundial, Angola tem reforçado também o seu ‘stock’, tem feito o seu melhor, mas há sempre um ou outro fármaco em que há uma dificuldade”, afirmou a ministra da Saúde, Sílvia Lutucuta, na sexta-feira passada.
Falando em conferência de imprensa, a governante angolana argumentou que as fábricas de antirretrovirais estão localizadas fundamentalmente na China e Índia “e esses mercados por esta altura estão com dificuldades fruto da Covid-19”.
No entanto, referiu que o Governo está a “trabalhar em parceria com as agências das Nações Unidas” e que “chegaram recentemente alguns antirretrovirais” ao país, mas admitiu que é preciso “aumentar grandemente” os ‘stocks’ do medicamento.
Hoje, o presidente da Anaso assegurou que está a persuadir as pessoas que vivem com o VIH/Sida para que não saiam à rua em protesto, uma vez que a organização está à procura de “soluções de diálogo junto do Governo e de outras estruturas afins”.
“Predispomo-nos a colaborar com as estruturas competentes sobre a situação actual de existência e localização dos antirretrovirais, para participar nos processos de resposta urgente que evitem a rotura de stock”, frisou António Coelho.
Segundo estatísticas da Anaso, Angola conta com cerca de 350.000 pessoas com o VIH/Sida, das quais 93.000 estão a fazer terapia antirretroviral e, destas, cerca de 30% faz tratamento de segunda linha.
Promessas não curam a Sida
Em Janeiro deste ano, António Coelho mostrou-se preocupado com o aumento de novos casos de infecção por HIV em Angola, exigindo melhorias na resposta à doença. E, Novembro de 2018 o mesmo responsável disse: Angola “continua a perder a guerra” contra a Sida”, com o registo de 28 mil novas infecções e 13 mil mortes por ano. Nada de novo, portanto.
“A situação da Sida em Angola continua preocupante. Apesar dos esforços do governo e da sociedade civil, o número de novas infecções por HIV tem estado a aumentar, com cerca de 28 mil novas infecções por ano, e o número de mortes também tem estado a aumentar com 11 a 12 mil mortes por ano “, disse António Coelho.
Para o presidente da Anaso, que falava à margem de uma reunião de alto nível, em Luanda, entre o Governo de Angola e o Fundo Global de Luta Contra a Sida, Tuberculose e Malária, o aumento dos números deve-se essencialmente à escassez de recursos e falta de implementação das acções.
“Temos boas políticas, temos boas estratégias, mas se se for ao terreno não há implementação das acções porque não há fundos”, sublinhou o responsável, acrescentando que o Governo “tem grande dificuldade em colocar dinheiro” para responder a doenças como o HIV/Sida.
Considerando necessário que se criem condições para alterar comportamentos e responder melhor ao problema, António Coelho salientou que “é preciso melhorar a vontade política”, melhorando a “liderança política”, que está “comprometida” pelo mau desempenho da Comissão Nacional de Luta Contra a Sida e Grandes Endemias.
Há também “sérios problemas na recolha e tratamento dos dados”, continuou o dirigente da Anaso, referindo que a taxa de prevalência de 2% “vem de há 10 anos” o que significa que existem entre 350 mil a 500 mil pessoas a viver com HIV no país, das quais só 78 mil estão a fazer tratamento.
Angola está também entre os países como mais alta taxa de transmissão vertical do HIV (de mãe para filho), na ordem dos 28%.
O responsável da Anaso indicou que é também necessário ultrapassar as limitações financeiras: “Continuamos como há alguns anos atrás de mãos estendidas e a olhar para organizações internacionais, temos de inverter a situação e, sobretudo, melhorar a contribuição do governo angolano no âmbito da luta conta Sida”.
Nesse âmbito, adiantou estar “a olhar para contribuições como a do Fundo Global que está em Angola desde 2004, com um apoio acumulado superior a 350 milhões de dólares [318 milhões de euros], que infelizmente tem diminuído nos últimos anos”, que no ano passado se situou em 58 milhões de dólares (53 milhões de euros).
O Fundo Global é um dos principais parceiros do Governo no combate às grandes endemias como o HIV/Sida, Malária e Tuberculose.
“Temos o problema de o país não poder participar nesta nova subvenção se alguns problemas que estão a criar ruído não forem ultrapassados”, declarou.
António Coelho sublinhou “a necessidade de Angola demonstrar a contrapartida do Governo angolano na luta contra as três doenças”, já que o Fundo entende que, nos últimos anos, não teve evidências claras da contrapartida angolana, o que pode “comprometer a continuidade”.
Para expressar a importância deste apoio, o presidente da Anaso disse que hoje a nível de medicamentos sobrevive-se “graças ao Fundo Global”.
“Estamos em crer que haja apenas um ruído na comunicação, não me parece que o Governo angolano não esteja a cumprir a sua parte, mas é preciso que haja evidências”, de que a contribuição financeira angolana está a ser aplicada, notou.
O presidente do conselho do Fundo Global, Donald Kaberuka, esteve em Luanda no encontro de alto nível em que participaram também as ministras angolanas da Saúde, Sílvia Lutucuta, e de Estado para a Área Social, Carolina Cerqueira.
O encontro incluiu sessões de trabalho sobre a situação do HIV/Sida, Malária e Tuberculose e perspectivas para melhorar a gestão das subvenções do Fundo Global em Angola, bem como uma visita ao hospital sanatório.
Palavras e pouco mais
Vejamos o que se disse em Novembro de 2018: Angola “continua a perder a guerra” contra a sida”, com o registo de 28 mil novas infecções e 13 mil mortes por ano, disse o Presidente da Rede Angolana das Organizações e Serviços da Sida.
Falando à margem do workshop sobre o quadro jurídico-legal do HIV/Sida, que teve lugar em Luanda, António Coelho disse que no país a taxa de transmissão vertical de doença, ou seja, de mãe grávida para o bebé, era de 26%, a mais alta da Comunidade de Desenvolvimento de Países da África Austral.
O workshop foi organizado pelos ministérios da Saúde e da Justiça e Direitos Humanos de Angola, em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
“Apesar de todos os esforços que estamos a fazer, continuamos a perder a guerra no combate à Sida”, frisou António Coelho.
“Temos de arregaçar as mangas e declarar uma guerra aberta contra a epidemia e, neste momento, que vem aí as jornadas alusivas ao Dia Mundial da Sida, que este ano se comemora sob o lema ‘Conheça o seu Estado Serológico, embora Fazer o Teste do HIV’, vamos aproveitar para o país fazer uma reflexão aturada, que nos permita, nos próximos tempos, inverter a situação e não permitir que mais angolanos se infectem e morram por causa da sida”, acrescentou o responsável.
Num outro encontro em Luanda, a directora do Instituto Nacional de Luta contra a Sida, Lúcia Furtado, disse que perto de 27 mil mulheres grávidas, das 310 mil pessoas que vivem com o HIV no país, são seropositivas, segundo dados da instituição referentes a 2017.
Lúcia Furtado falava sobre a campanha nacional Nascer Livre para Brilhar, a ser lançada a 1 de Dezembro (de 2018), data mundial dedicada à reflexão sobre a doença. Segundo a responsável, a campanha visava fazer com que a Sida infantil deixasse de ser um problema de saúde pública até 2030, através da sensibilização sobre a importância de prevenção e o incentivo a toda a mulher grávida para realizar o teste para saber do seu estado serológico, bem como o do seu parceiro.
Em 2018 foi dito que, nos próximos três anos, tempo de duração da campanha, iriam ser acompanhados os indicadores de incidência (novos casos) e de prevalência (soma de novos casos e os antigos).
A taxa de prevalência de transmissão vertical é de 2%, segundo dados do Inquérito de Indicadores Múltiplos de Saúde e do Instituto Nacional de Estatística (2015-2016). Em Angola, a luta contra a transmissão do vírus de mãe para filho teve início em 2004.
Folha 8 com Lusa